O cantor Adam Lambert foi alvo de comentários ofensivos sobre sua espalhafatosa apresentação no Rock in Rio como vocalista do Queen. Mas por que Freddie Mercury podia ser viado e ele não?
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GENTE, peço licença para dizer o que penso.
Penso que quem mereceu nascer, deve viver.
A Vida pertence a todos nós!
Que mesquinhez, que pequenez, que insensatez
querer ferrar com a vida alheia com maledicência,
sem nem conhecer a PESSOA
que está dentro de
uma roupa bela ou feia, mas apenas uma roupa…
Que falta de humanidade, Gente…
Não suporto.
Preciso vomitar e dizer o que sinto e penso.
Somos selvagens horríveis… porque até os selvagens – parece – que têm algum sentimento.
Mary
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Adam Lambert canta We Are The Champions no Rock in Rio 2015.
(Foto: Divulgação)
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Adam Lambert no vocal do Queen em SAP Center
(Foto: Divulgação)
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Ao lado de Brian May e Roger Taylor, Adam Lambert subiu ao palco do Rock in Rio há uma semana como vocalista da nova formação do Queen, posição que ocupa desde 2012. Trocou de roupa quatro vezes, fez a linha fetichista, usou couro, coroa e brilhantes, sacudiu-se como uma louca e se atirou como uma deusa num sofá vermelho enquanto cantava “Killer Queen”. Adam possuiu o vocal de um jeito, no mínimo, poderoso.
Ainda assim, muitos tivemos a infelicidade de encontrar algumas ácidas críticas à sua performance. Poderiam ser críticas aceitáveis sobre, por exemplo, o grave fraco de Adam em comparação com o de Freddie. Tudo bem, eles não possuem as mesmas cordas vocais. Mas não é isso que incomodou. O que motivou uma penca de autodenominados “alternativos” e “entendedores” a destratarem o talento de Adam Lambert foi mais do mesmo: o imperdoável atentado que os homens cometem contra sabe Deus quem ao possuírem trejeitos afeminados.
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![queen-lambert.jpg](https://i0.wp.com/lounge.obviousmag.org/sup3rtr4mp/assets_c/2015/09/queen-lambert-thumb-800x501-123157.jpg)
Adam Lambert e Brian May no Rock in Rio 2015.
(Foto: Fabio Tito/G1)
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Ouvi até alguém comentar, revoltado, que a banda se chamava “queen” e não “drag queen”. Olha, isso é bem sério. E acredito que duas coisas devem ficar claras sobre isso. Primeira: Adam Lambert tem uma história. Ele não chegou nesse palco e nessa posição da noite para o dia. Ele não se resume às suas escolhas estéticas e comportamentais. Segunda: se você vê algo errado nas drag queens, na verdade tem algo errado em você. E, por fim, a última e menos impressionante notícia do dia: Freddie Mercury não foi o ícone da heteronormatividade que você gostaria que ele tivesse sido.
Mas o que faz dele uma pessoa ovacionada “apesar dos pesares”? Por que ele, que ao falecer estava sexualmente envolvido com o cabelereiro Jim Hutton, não é ofendido por esses mesmos agitadores de timeline que ofendem Adam? Seria sua discrição, seu comportamento típico do rockstar vanguardista que os anos 80 aclamavam, seu bigode de macho e sua voz grossa? Seria o fato de ele ter mantido sua vida sexual menos pública ou de ser um nome consagrado da velha guarda em vez de um talento recém descoberto da música popular? A ironia dá as mãos para o preconceito e juntas elas beiram a ignorância. Para mim está bem claro que o que separa Freddie Mercury de Adam Lambert poderia ser apenas a frase “eu sou homossexual” dita em voz alta para algum repórter.
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![freddie-mercury-yellow-jacket.jpg](https://i0.wp.com/lounge.obviousmag.org/sup3rtr4mp/assets_c/2015/09/freddie-mercury-yellow-jacket-thumb-800x474-123159.jpg)
Enquanto Freddie (à esquerda) tinha um pé na performance fetichista, Adam (à direita) mergulha até o pescoço nela. (Foto: Divulgação/Just Jared)
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Não pretendo entrar num debate de valor nem trazer à tona as desconhecidas motivações pessoais de Freddie e Adam sobre suas respectivas sexualidades e formas de encará-las/praticá-las. Não há lugar para comparação no meu texto, nem para esse caminho investigativo. Eu questiono outra coisa: a natureza discriminatória e repugnante da reação de alguns fãs do Queen diante dos trejeitos alegóricos e femininos do “sucessor” de Mercury. Independente da qualidade e legitimidade de realities como American Idol, Adam se destacou e ficou em segundo lugar na edição de 2009 do programa. Mas ele consolidou uma carreira depois disso. Você provavelmente nem sabe quem é Kris Allen, o vencedor dessa edição. Com sua maquiagem, seu guarda-roupa brilhante e sua viadagem escancarada, Adam estava totalmente sincronizado com o brilho da coroa que ele usou na noite do dia 18 ao cantar We Will Rock You e We Are The Champions.
Estou avaliando pela performance, pela habilidade teatral, pela autenticidade que rendeu muitos incríveis elogios. Como eu disse: Adam não chegou ali ontem nem de uma hora para outra. Ele foi escolhido. Não conheço estreitamente a história do Queen, do Freddie Mercury nem do Adam Lambert. Mas não é preciso. Eu não os julgo pela suas condições sexuais, pelas suas posições no mundo da música ou pelo gênero ao qual correspondem os seus comportamentos. Eu constato o talento de Adam Lambert e admiro o seu papel. Admiro que ele seja o que é, assim como admiro muito que Freddie tenha sido o que foi. Admiro que Adam pareça drag queen, que rebole para cima e para baixo, que bote ovos durante o show, que tenha esse agudo maravilhoso, que suba no palco e se torne proprietário dele. Admiro sua coroa espalhafatosa, sua roupa brega, sua maquiagem evidente. E, principalmente, admiro sua coragem.
http://lounge.obviousmag.org/sup3rtr4mp/2015/09/vida-longa-a-nova-rainha.html#ixzz3nFZzbKkV
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Adam, você foi fabuloso. E incômodo, porque é assim que são os que se atrevem. Vida longa à rainha!
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